O Ilusionista
O Ilusionista olhou para a plateia com um sorriso seráfico. Iria surpreendê-los e iludi-los com o seu novo truque, guardado a sete chaves no maior secretismo.
Gostava particularmente do momento da expectativa, as luzes que o isolavam de tudo o resto, tirar a capa, nada na manga e, de repente, aqueles segundos mágicos quando a plateia abria muito os olhos para tentar perceber o que tinha acontecido.
Desta vez a surpresa seria muito maior: iria evaporar uma parte do próprio tempo. O cronómetro iria reiniciar mas com três anos retirados a todos, como se não tivessem existido.
A arte maior, que só ele dominava, residia precisamente nisso: a plateia tinha vivido esse tempo, tinha sido prensada, martelada, machucada, empacotada, tinha mesmo andado para trás alguns degraus da escada. O que importava era o que o cronómetro marcava daqui para a frente.
Sacudiu a melena teimosa, o rosto iluminado a contrastar com o fato escuro, aproximou-se do aparelhómetro e deu-lhe corda. Os números mágicos surgiram num cartão furado: três anos tinham desaparecido, precisamente os piores de todos.
O silêncio pesou na plateia. O Ilusionista preparava-se para a vénia do triunfo, mas os aplausos não vieram. A plateia estaria a tentar perceber o truque? Era impossível, era o seu truque, só seu.
A plateia ergueu-se quase em simultâneo: rostos incrédulos, jovens, velhos, de meia-idade, a tentar digerir a ilusão do cronómetro. Depois quase em simultâneo, como se uma mola os impulsionasse, dirigiram-se ao palco e exigiram ao Ilusionista manhoso que lhes explicasse o truque.
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Amizade
Passamos a maior parte da nossa vida
todo um percurso
à procura de um lugar que sabemos existir
porque já nos aproximámos o suficiente
para saber que existe
Dizem-nos que isso só nos livros ou nos filmes
e deixamos de falar nisso
Sabemos bem que depois de ver essa claridade
e sentir o seu calor
nada nos poderá confortar
não é essa a nossa natureza
Um dia o tempo pára
e cruza as suas linhas e voltas por um segundo
Somos de novo quem fomos um dia
a criança que sabia e que se projectava no futuro
Um segundo é quanto basta
para misturar as linhas e voltas do tempo
O amigo imaginário está ali
carne e osso
voz própria
ideias definidas
Somos dois agora
e é como se o mundo inteiro estivesse do nosso lado
e não do outro lado
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...
Dizem-nos que não podemos captar o tempo
que o que passou passou por nós
e eu sorrio só para mim
Podemos eternizar esse tempo
essa é a nossa condição
é assim que nos mantemos no mundo
de outro modo tudo nos seria
insuportável
Volto por isso a esse tempo
que eternizo dentro de mim
como um filme sem princípio nem fim
mas com uma atmosfera, sempre amorosa
e uma claridade, de eterno verão
Nesse filme estão todas as pessoas que amei
e não me esqueço de nenhuma
e estamos num piquenique
e há risos e lembro-me de todas as vozes
todas
as suas entoações únicas e trejeitos muito próprios
e expressões e significados
cumplicidades que animam a alma
Não digo adeus
sou como os sioux
e as almas não dizem adeus
estão sempre unidas
no meu caso, é nesse filme e nesse piquenique
mas podia ser outro o cenário
tinha era de ser no verão
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Do Baú:
Que fiz eu a esse tempo todo
que a realidade insiste em mostrar
que passou
por mim pelos demais pelas coisas
e eu sem saber o que fiz a esse tempo
sem o ter sentido passar